EVOCAÇÃO

Roberto Ribeiro De Luca

Vem, poesia, ilumina-te o ser e as cavernas!
Dá-me ufania, o contato de tuas pernas,
capa roçagante de cendal intangível!
Deixa-me nadar em tua artéria invisível,

embriagar-me do sangue quente e suave
que aí se encontra liberto, sem o entrave
da morte, abismo caliginoso e imundo!
Vem, experimenta-me o solo fecundo,

onde a tênue semente cresce, a rosa
fanada refloresce, e tudo se entrosa
e aumenta, de forma que nada de útil
permaneça no descaso servil e fútil

da vida miseranda! Alteia-te o braço,
deita-me a fronte landa em teu regaço!
Abre-te a relva, abarca-me a ela,
confessa a mim tua secreta mazela,

para que enfim verdade se estabeleça
entre nós, cumplicidade nos fortaleça!
Embala-me no ritmo de tua orquestra
que espanca tédio, monotonia, adestra

o eco altissonante das gargalhadas,
transmuta-o em notas brandas, delicadas!
Leva-me agora sobre as asas desta noite
a ermos incríveis, ao furioso açoite

de teus ventos inextinguíveis de outono,
apressando-me assim a hemorragia,
arrancando de mim a dormência, o sono!
Ilumina-me a existência, poesia!