MISÉRIA, ILUSÃO, RIQUEZA

Roberto Ribeiro De Luca
I
Há em mim, eu sei, um campo de batalha,
minas e fogo para hordas inimigas.
Trago aqui pobre vila da Somália,
devastada, com milhares de formigas.
Algo em ti, não sei, precipita-me à luta,
reavia-me para o misérrimo fado.
Tu és pedra que arrastei, minha puta,
folgas com presentes, queres um bordado.
Não te censuro, amo-te mesmo assim.
Pudesse eu cobrir-te de nobres mimos...
Altercamos no escuro, duelo sem fim!
Vitupérios... temporais... enlouquecemos!
Ao romper do dia, opressos, repetimos:
“Arre, somos iguais! E nos merecemos!”
II
Há em mim, eu sei, um reino, esta pujança,
dólares e libras, cem poços de petróleo.
Tenho, meu bem, os louros dourados de França,
velocidade, e um Cezanne a óleo.
Tudo em ti ostenta, impele-me ao leito,
acende em mim o que é gentil, galanteio.
Joias e cruzeiros sempre surtem bom efeito,
fomentam alegria, espojam o que é feio.
Vou para as montanhas de neve, esquiar preciso.
Sozinha nas festas, tu inventas desculpas.
Retorno alígero, teu álgido sorriso...
As saudades tremem... Um beijo, e as matamos.
Em pouquíssimo tempo livras-me das culpas...
Somos, sim, felizes, e tanto prosperamos!
III
Há em mim um rio opimo e seu remanso,
água clara, diáfana, que tua sede mata.
Colho flores no glauco cimo que alcanço,
escolho cores e a palavra mais exata.
Busco assim o que é singelo e espontâneo.
Teu generoso olhar a vida sobresta,
revela-te o tremor sutil, momentâneo,
aumenta-me o ardor buliçoso, em festa!
Qual Cristo à humanidade, doo a vida a ti!
Amante da verdade, a meu lado caminhas!
Despimo-nos de tolas vaidades aqui.
Marcamos o lençol, dissabores expiamos.
Em belas paragens, ou em terras daninhas,
brilhamos como o Sol, pois muito nos amamos!